Relembrar o passado - Os loucos anos 90 no FC Zenit parte 2
Adicionado | Autor | Comentários

Na primeira parte das histórias do clube nos anos 90 falamos maioritariamente da vida dos ex-jogadores em São Petersburgo e no centro de treinos. Nesta segunda parte vamos mostrar as viagens aos locais mais distantes e perigosos da Rússia. De Makhachkala a Elista, sem esquecer claro as fantásticas deslocações a Vladivostok! 


Dmitry Davydov
“Para uma pessoa que jogou no Zenit e que vivia em São Petersburgo, um jogo fora era um pesadelo. Ainda sinto arrepios quando me lembro do meu primeiro voo duplo Nakhodka-Chita. Chegamos lá e durante o jogo eu sentia-me mesmo muito cansado e só queria voltar para casa. Nós não conseguíamos perceber como era possível viver ali. As noites em Leninsk-Kusnetsk eram insuportáveis. Era impossível adormecer devido aos ataques dos mosquitos. Se fechasses a janela morrias de calor e se as abrias os mosquitos entravam. Nós molhávamos os lençóis da cama e cobríamo-nos mas com o calor passado 30 minutos eles já estavam secos.”

Sergey Gerasimets, jogador do Zenit de 1997 a 1999
“A viagem a Naberezhnye Chelny traz-me algumas das maiores memórias. Depois do Check In no hotel, eu e mais alguns jogadores decidimos dar uma volta pela cidade. Era escuro e tudo estava sujo pelo que depois de andar 100 metros voltamos para trás. Aquilo era assustador. Se calhar a cidade até era agradável mas a área onde estávamos era terrível. O hotel era horrível. Lembro-me também que num Verão tivemos um jogo em Samara. Estava incrivelmente quente, na casa dos 40 graus e o nosso treinador, Byshovets, obrigou toda a gente a ir nadar no Rio Volga.”

Vyacheslav Melnikov
“Em 1994 tínhamos um jogo em Vladivostok mas o director geral do clube disse que não havia dinheiro. Foi mesmo em cima da hora é que conseguimos os bilhetes de avião. Se faltássemos ao jogo tínhamos sido eliminados da prova. Assim sendo conseguimos realizar o jogo mas havia um problema: Como voltar para São Petersburgo?
Os voos de Vladivostok para São Petersburgo (9500 kms) realizavam-se apenas duas vezes por semana. Não queríamos ficar mais dois dias no hotel, pois isso era um enorme custo extra. Descobrimos que havia um voo mais barato de Khabarovsk. Mal o jogo acabou apanhamos um comboio mas este chegou a Khabarovsk no momento em que o avião já estava a partir, pelo que perdemos o voo.
Sentados no aeroporto, viemos a saber que o próximo voo para São Petersburgo era dali a dois dias e que os bilhetes tinham de ser comprados com 2 meses de antecedência. Do nada um homem com a barba por fazer veio ter connosco se queríamos voar para Moscovo. Ele era o primeiro comandante de um avião que tinha acabado de trazer militares para Khabarovsk. Em vez de viajar sozinho de volta para Moscovo, ele decidiu levar alguns passageiros.
Juntamo-nos todos e começamos a contar quanto dinheiro tínhamos. Além das pessoas que tinham vindo connosco de São Petersburgo ainda se tinha juntado a nós um homem chamado Alexander Averyanov, que era filho de um treinador famoso na altura e que tinha sido recentemente comprado pelo Ocean Football Club. Ele tinha a mulher e uma criança com ele e duas malas cheias de coisas, mais uma TV e outros pertences. Juntamos todo o dinheiro que ele também tinha e lá conseguimos o valor necessário, cerca de 2000 dólares.
Eles meteram-nos numa carrinha e levaram-nos até ao aeroporto militar onde apanhamos o avião. Quando chegamos descobrimos que nem sequer estávamos a voar mesmo para Moscovo, mas para Klin, que fica no distrito de Moscovo. Fomos então para Klin onde apanhamos um comboio para Tver. Com o ultimo dinheiro ainda compramos pão e salsichas. Estávamos então na plataforma à espera do comboio e o Boris Rappoport fazia as sanduiches e dava aos jogadores. Depois de dois dias de viagem lá chegamos a São Petersburgo, cheios de fome, sujos e com frio. E só aí percebemos que não tínhamos avisado ninguém sobre o voo perdido em Khabarovsk. Durante todos esses dias houve gente à nossa procura, já que o avião tinha aterrado em São Petersburgo mas nós não estávamos lá!”

Yuri Gusakov:
“ A viagem mais incrível que tive foi a Nakhodka. De acordo com os regulamentos nós deveríamos chegar um dia antes do jogo, mas uma série de atrasos nos voos mais uma viagem de autocarro de 5 horas desde Vladivostok levaram-nos a chegar à hora que o jogo deveria terminar. O Estádio estava fechado e já não havia ninguém nas imediações. O jogo tinha sido cancelado. Ficamos ainda mais um dia à espera de um voo de regresso. Como a culpa não foi nossa, o jogo foi reagendado, pelo que tivemos de lá ir novamente!
Estava um calor escaldante no dia do famoso jogo frente ao Anzhi em que o Maxim Demenko jogou em todas as posições possíveis. Quando o Borodin foi expulso ele até teve de ir para Guarda Redes. As condições em Makhachkala eram muito más. Agora ainda ficamos num hotel minimamente acolhedor e privado mas nessa altura ficávamos num hotel onde em vez de descarregadores de água da sanita, tínhamos jarros de água. Os empregados do clube tinham de dormir no corredor do hotel, pois não haviam quartos suficientes.”

Mikhail Grishin, médico no Zenit desde 1992
Eram tempos complicados. Yaroslav, Saratov e Volgograd eram cidades muito desenvolvidas onde nos sentiamos bem. Mas depois existiam locais como Kamyshin e Elista. Nós íamos de Volgograd para Kalmykiya atravessando as estepes. O nosso autocarro avariou-se e ali no nada tínhamos de encontrar comida para os jogadores. Os voos charter eram raros nos anos 90 e todos nós comprávamos bilhetes nos voos regulares. Lembro-me de um voo para Vladivostok em que na entrada para o avião em Omsk nos disseram que não havia combustível suficiente até Vladivostok. E isto foi o que nos disseram – “Vamos voar primeiro até Tomsk pois lá há combustível.” Assim sendo, em vez de 3 paragens íamos ter ainda uma quarta, pois era preciso colocar combustível. Agora os locais mais longínquos que o Zenit vai são eventualmente Tomsk ou Novosibirsk. Nessa altura eram Vladivostok e Nakhodka, locais onde o avião não tinha sequer onde se abastecer de combustível

Mikhail Grishin:
Esta história aconteceu em Nakhodka. O Yuri Gusakov bateu à minha porta durante a noite e disse-me que um dos nossos jogadores tinha sido atacado. Peguei na minha mala, calcei os sapatos e corri para o andar onde estavam os nossos jogadores. Aí vi um dos nossos jogadores vindo em direcção a mim todo ensanguentado e dizendo que se tinha envolvido numa rixa, pedindo-me para dizer à sua esposa o homem corajoso que ele era, pois tinha-se defendido de um ataque de 5 homens! Coloquei-o numa mesa, desinfectei as feridas na perna, ele levou os pontos e acabou depois por adormecer.
A história verdadeira tinha sido que ele tinha andado a passear à noite com uma garrafa de champanhe e deu um pontapé num jipe que estava a passar. Os passageiros saíram do carro e empurraram-no para o chão, sendo que ele se cortou na garrafa.
No dia seguinte tentamos esconder isto do treinador e colocamo-lo nos últimos lugares do autocarro. No entanto o treinador rapidamente descobriu tudo pois na noite anterior ele escreveu o seu nome na entrada do hotel com o seu próprio sangue!
Com este mesmo jogador tive uma história em que eu e o meu colega Misha Stepanov oferecemos-lhe para dar boleia para casa no retorno de um jogo fora. Perguntamos-lhe onde ele vivia mas ele não se lembrava da morada. Coloquei-o num canto junto a uma loja e começamos a perguntar às pessoas que iam passando na esperança que alguém o conhecesse. Distanciamo-nos um pouco e quando voltamos ele tinha desaparecido! Ele foi depois encontrado a dormir no seu apartamento. Provavelmente a sua mente ligou o piloto automático e levou-o em direcção a casa!

Vyacheslav Evdokimov:
Lembro-me que em 1996 viajavamos para os jogos em Moscovo de camioneta e para alguns locais já viajávamos em voos charter. Nós íamos directamente do Udelny Park (campo de treinos do Zenit) para Pushkin, onde havia uma base militar. Chegávamos lá sem grandes problemas, depois os soldados abriam os portões e dirigíamo-nos directamente para o avião onde colocávamos as nossas coisas. Os pilotos eram coronéis da força aérea e eu vi com os meus próprios olhos que eles bebiam um copo de cognac antes do voo.

Vyacheslav Evdokimov:
O médico da equipa estava responsável pela dieta dos jogadores. O orçamento era pequeno e apenas os principais jogadores tinham escolha dentro do prato principal. Tudo o resto era igual para todos. O sistema era o seguinte: A empregada trazia sopa e uma certa quantidade de pão para cada um. Tudo aquilo parecia um mau filme soviético. E então quando era o prato principal, apenas os melhores jogadores podiam escolher peixe. Eram no máximo 7-8 jogadores que tinham essa regalia.

Dmitry Davydov:
Quando conseguimos a promoção à primeira liga os jogos fora eram mais agradáveis e as cidades onde íamos mais desenvolvidas. Mas para ser honesto, Vladivkavkaz e Elista não eram diferentes dos locais onde íamos na divisão abaixo. As arbitragens eram melhores. Em 1998 podíamos ter feito melhor mas aconteceu que o Byshovets deixou a equipa para ir treinar a selecção russa e tudo mudou. Os árbitros não nos prejudicavam claramente mas digamos que se esforçavam menos. Mas claro que houveram jogos muito maus, tal como um jogo frente ao Baltika onde o árbitro prolongou o jogo por 10 minutos para eles marcarem o segundo golo. Mal foi golo ele apitou para o fim do jogo.

Voltar a lista